sexta-feira, abril 26, 2024
Administração

Indústria pet: soluções, perspectivas e desafios

O mercado de animais de estimação representa 0,36% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, e é considerado o 7º no mundo – Foto: BartekSzewczyk/iStockphoto.com

Desde a alta dos preços até os desafios macroeconômicos: no que a indústria pet precisa ficar atenta

De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), o Brasil abriga a segunda maior população de cães, gatos e aves canoras e ornamentais em todo o mundo e é o terceiro maior país em população total de animais de estimação. A Abinpet também aponta que o mercado de animais de estimação atualmente representa 0,36% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, e é considerado o 7º no mundo. Em 2022, as perspectivas são de que esse mercado movimente cerca de R$ 50 bilhões de acordo com Instituto Pet Brasil (IPB) – 10 bilhões a mais do que o IPB registou em 2019, primeiro ano da pandemia. Em 2020, o PIB do país encolheu 4,1%, mas o setor pet cresceu 13%. Tais números são animadores e positivos. Porém, é preciso considerar alguns pontos sobre as perspectivas para os próximos anos.

Panorama geral

As três subdivisões da indústria pet, pet food, pet vet e pet care, somam mais de 1.000 empresas (conforme aponta lista deste Anuário Indústria), cuja maior participação e faturamento ainda está no setor de alimentação. “O alimento completo industrializado (pet food) representa 78% da receita (R$ 28,1 bilhões); produtos veterinários (pet vet), 15% (R$ 5,3 bilhões) e produtos de higiene e bem-estar animal (pet care), 7% ou R$ 2,3 bilhões. Os dados não levam em conta as movimentações de serviços gerais, serviços veterinários e venda de animais”, destaca José Edson Galvão de França, presidente-executivo da Abinpet.

Exportações brasileiras

O crescimento das exportações brasileiras da indústria pet é outro destaque. “De 2020 para 2021, a alta foi de 33%, impulsionada principalmente pelo pet food, 95% das exportações. Ao todo foram exportados US$ 412,5 milhões ante os US$ 310,5 milhões de 2020. O crescimento é relevante principalmente quando comparado com o valor registrado ainda em 2019, US$ 295 milhões. Pet care representa 3% das remessas, animais vivos 1,5% e pet vet 0,5%”, revela França. Atualmente, o Brasil é um dos 10 países que mais exportam pet food no mundo, além de ser o 3º maior produtor global de alimentos para animais.

A cotação do dólar é algo que favorece a exportação, mas, Luiz Luccas, co-fundador do V2PET e consultor dos segmentos pet e vet, acredita que a indústria pet brasileira está pronta para ter mais força no mercado internacional. “Falta olhar para o mercado latino-americano, que apesar de ter países pequenos, podem representar uma saída para aumentar o faturamento da indústria brasileira. Além disso, os mercados latino-americanos sofrem muito mais com a questão de custos relativos quando comparamos com países em que o segmento pet é muito mais competitivo como Europa e Estados Unidos”, aponta Luiz.

Driblando dificuldades

As indústrias pet têm buscado alternativas frente às dificuldades econômicas dentro do Brasil, como garantir crescimento da indústria frente à alta do preço das commodities e a cotação do dólar. “Farinhas de proteína animal, milho, arroz, trigo e soja têm aumento médio acumulado de mais de 100% entre 2020 e 2021. Proteínas de origem animal atingiram mais de 160% de aumento. Dessa forma, o faturamento de R$ 35,8 bilhões por parte da indústria – ou seja, 32,3% sobre 2021 – não significa crescimento real do setor. O número não leva em conta o setor de serviços, varejo e venda de animais direto dos criadores. Quando somados indústria e varejo, o setor fechou 2021 com um faturamento de cerca de R$ 51 bilhões, de acordo com o Instituto Pet Brasil”, descreve França, ao ressaltar que o conflito na Ucrânia também contribuiu para as variações de preço de produtos derivados de óleos vegetais, como girassol e soja, além de cereais como trigo e cevada. “A despeito das turbulências econômicas citadas, acreditamos que o setor deve continuar registrando crescimento, em faturamento, entre 9% e 12%, já assimiladas as variações causadas pelo câmbio e fornecimento de commodities. O crescimento da indústria pet brasileira favorece a geração de empregos, o parque industrial nacional e todos os elos do agronegócio – desde a produção agropecuária até a cadeia de reciclagem animal”, afirma.

Luiz Luccas concorda que o desafio mais urgente da indústria está relacionado aos custos dos produtos comercializados, resultado da alta de matérias-primas e pela desvalorização cambial – situação que está sendo revertida com a alta dos juros no Brasil, explica o consultor.  “A indústria pet não está conseguindo repassar integralmente o enorme aumento dos preços e insumos até a ponta, pois os consumidores estão sendo pressionados por todos os lados, com o aumento do custo de vida geral. Como a capacidade que o mercado pet tem de absorver esses repasses de preços é grande, espera-se que com a retração do dólar tenhamos algum fôlego, e que o preço dos insumos não suba tanto”, detalha Luiz, que vai além. Ele lembra que existe uma crise no mundo no quesito produção de alimentos e isso vai afetar todas as commodities agrícolas, incluindo a produção de proteína animal. “A indústria pet vai competir com a produção de alimentos para humanos, que vai estar bastante prejudicada nos próximos 2 anos – primeiro pela covid e a ruptura de cadeias produtivas que ela causou e segundo, pela guerra entre Ucrânica e Rússia, grandes produtores de cereais. Sem mencionar os fertilizantes, pois dependemos da Rússia. Assim, a indústria vai ter que ser mais criativa no uso de outros ingredientes para baratear custos a todo custo, pois a possibilidade de mais repasse ao consumidor vai ser complicada”, prevê Luiz Luccas.
Ainda segundo ele, o consumidor dribla os altos custos como pode, e pode haver, inclusive, uma redução no consumo de ração e aumento do consumo de alimentação humana para pets. “Muitos consumidores hoje optam pelo que chamamos de trade down, isto é, mudam de marca ou de uma categoria para outra mais barata. Muitas vezes essa mudança não causa efeitos imediatos nos pets, o que acaba consolidando essa mudança. Por isso é importante que as empresas elaborem estratégias de produtos e marcas que minimizem perdas geradas por esse comportamento. Como a cadeia toda ainda é muito cara no Brasil, desde a logística, impostos, processo bastante oneroso, a indústria precisa investir mais na utilização de ferramentas online, que ainda é muito baixo comparados a outros setores. Isso vai ser mais impulsionado, e o varejo vai usar o e-commerce para reduzir custos de transações entre lojistas e produtos”, completa Luiz.

Outra forma de aliviar a pressão é a melhoria e a criação de novos produtos. “A indústria se beneficia bastante com essas inovações, pois é uma forma de minimizar a questão da rentabilidade que ela tem nos produtos que são menos críticos, já com alta carga de comoditização, como é o pet food. A iniciativa de lançar novos produtos melhora a rentabilidade da indústria”, ensina Luiz, ao destacar: “Precisamos ter visão bem clara do que é novidade e o que é inovação. Novidade é renovar embalagens, por exemplo. Já a inovação é algo que o cliente realmente valoriza, isto é, paga mais por isso. As empresas lançam muitas novidades mas poucas inovações, o que pode ser até um armadilha, aumentado custos diretos e indiretos, sem reflexo significativo nas vendas. Nessa hora é importante estar atento às tendências internacionais e investir no que realmente fará diferença no caixa.”

Altos impostos

Infelizmente, essa pauta nunca sai do debate quando o assunto é a indústria brasileira. Dentre 111 países, o Brasil está em 2ª posição do ranking de países que mais tributam as empresas. Somente Malta fica na frente do Brasil. É o que revela um estudo divulgado pela plataforma CupomValido.com.br com dados da OCDE sobre a tributação das empresas. Ao considerar todos os impostos, as empresas brasileiras pagam na média uma alíquota de imposto de 34%. Este valor é 70% maior que a média mundial, e somente 1% menor que Malta.

França conta que a Abinpet tem fortalecido sua interlocução com o Governo Federal no intuito de esclarecer a importância dos animais de estimação para as famílias brasileiras, e de mostrar como a carga tributária, por exemplo, afeta tanto a aquisição de produtos quanto o bem-estar dos pets. “Uma alternativa aos altos impostos é diminuir os custos da cadeia logística e os encargos tanto na produção do produto pet em si quanto das matérias-primas, como proteínas animais, vegetais, óleos e outros ingredientes. Pensando nisso, passamos a integrar o Fórum ProBrasil, que inclui entidades que representam players do agronegócio. Ao todo, as entidades representam cerca de 1,4 milhão de empregos diretos em 754 indústrias associadas. O faturamento calculado dos sete setores reunidos chega a R$ 1 trilhão”, destaca o presidente-executivo da Abinpet, que aponta algumas conquistas já alcançadas, como a redução de 25% no IPI neste primeiro semestre de 2022. “Mas o preço que chega ao consumidor ainda é fortemente afetado por encargos como PIS/COFINS e o ICMS. Para fins de comparação, todo produto pet, não apenas o pet food, ainda são onerados em praticamente 50% no preço final. Então, a cada R$ 1 gasto pelo consumidor, R$ 0,50 são impostos”, acrescenta. 

China: um exemplo a ser seguido

A China tem papel importantíssimo para a indústria mundial. Eles são os maiores exportadores do mundo, segundo a organização Mundial do Comércio, sendo responsáveis por 16,2% dos embarques internacionais globais. Muitos especialistas apontam que o país oriental é um exemplo que deve ser seguido pelas indústrias mundo afora.

Porém, algo vem mudando nesse cenário que exige atenção da indústria brasileira. “Como tivemos aumento do dólar e de custos da China, a indústria chinesa será cada vez menos competitiva ao longo do tempo. Toda a vantagem que ela tinha de mão de obra e energia baratas, são fatores que estão sendo revistos. A própria Apple está reduzindo a sua manufatura na China. Esse é um fator que vai diminuir a competitividade dos produtos chineses. Privilegiar os fornecedores locais – tanto de matérias-primas como de produtos finais para fortalecer a indústria brasileira é algo importante a ser feito”, explica Luiz Luccas.

Previsões e perspectivas

Em termos de perspectivas futuras, Luiz aponta uma possibilidade interessante. “Analisei recentemente dados de diversas fontes e pude comprovar um vigoroso aumento na população de cães e principalmente de gatos entre os lares das classes A e B que respondem por 80% do mercado veterinário brasileiro. Segundo minhas análises, a população canina nessa classes cresceu 3,6% ao ano no biênio 2020-2021 enquanto que gatos cresceram 9% ao ano no mesmo período, um salto incrível. Isso representa um crescimento mais sólido e consistente para os próximos anos. Havendo uma recuperação mais acelerada do poder de compra do consumidor vamos ter um crescimento sustentado mais forte nos próximos 5 anos. Claro, tudo vai depender do próprio crescimento econômico do Brasil, da classe trabalhadora gerar produtividade e renda, e isso está relacionado com os velhos gargalos macroeconômicos brasileiros. Havendo mudanças positivas nos âmbitos tributários, fiscais, logísticos e até uma maior segurança jurídica, tudo isso impactará na melhoria da qualidade de vida da população e consequentemente um crescimento ainda maior do nosso segmento. Acredito que a população canina continua a crescer 1% ao ano e a de gatos mais alta, talvez até perto dos 10%”, afirma Luiz. As constantes novidades que vemos na indústria, tanto pet food, como de acessórios e outras, também é algo muito positivo e que vai continuar sendo uma tendência no setor. “Quem acompanha o mercado pet global percebe o quanto esse mercado é vastíssimo. É de outros países que absorvemos muitas das novidades e inovações tanto em produtos como em serviços e na maneira de se fazer negócios”, finaliza Luiz.


Por Samia Malas

Agradecimentos:

José Edson Galvão de França – Presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) e presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Animais de Estimação.

Luiz Luccas – Médico-veterinário com MBA pela Ohio University. Trabalhou como executivo e head de operações em empresas nacionais e multinacionais nos Estados Unidos, América Latina, Austrália e Nova Zelândia. Expert no mercado pet, é palestrante internacional, consultor de empresas, fundos de investimento e mentor de várias start ups ligadas ao setor. Fundador da Comissão de Animais de companhia do SINDAN e membro da comissão de clínicos do CRMV-SP. Co-fundador e diretor do V2PET, o primeiro market place B2B para o mercado pets da América Latina.