terça-feira, abril 23, 2024
Saúde

DOENÇAS RENAIS EM FELINOS

A médica veterinária Maria Cristina Nobre e Castro, do Rio de Janeiro, sempre se identificou com as doenças do trato urinário em pets. Por isso, se especializou e hoje é referência no assunto.Além da sócia fundadora da Academia Brasileira de Clínicos de Felinos, possui residência em Clínica Médica de Pequenos Animais pela Universidade Estadual Paulista (Botucatu), mestrado em Patologia Veterinária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e doutorado sobre doença renal crônica em gatos pela Universidade Federal Fluminense, onde é professora da disciplina de Clínica Médica de Cães e Gatos desde 1991.

A Dra. Maria Cristina também ressalta a criação, em 2011, da Sociedade Brasileira de Nefrologia e Urologia Veterinárias, na qual também é sócia-fundadora. “Esperamos que dessa forma a área de Nefrologia e Urologia se fortaleça no Brasil”.

Confira a entrevista da especialista e saiba mais sobre as doenças renais que acometem os felinos.

RPC – Por que os gatos possuem mais problemas no trato urinário do que os cães?
Dra. Maria Cristina –
Realmente, estudos americanos apontam que quase 5% dos gatos atendidos em clínicas apresentam alguma doença do trato urinário inferior (DTUI). No Brasil, essa proporção parece ser semelhante. Dentre as DTUI citamos as urolitíases, cistites idiopáticas e bacterianas e neoplasias. A urolitíase e a cistite idiopática são as mais comuns e podem se tornar mais graves, pois há a possibilidade de obstrução da uretra com um cálculo ou um tampão mucoso respectivamente. Nesses casos, o gato precisa de cuidados intensivos e, às vezes, até procedimentos cirúrgicos.

Porém, quero ressaltar que, assim como as DTUI dos felinos, a doença renal crônica (DRC) é extremamente comum e uma das principais causas de óbito em gatos mais idosos. Na maioria dos casos, a DRC é uma doença irreversível e progressiva. Por este motivo, os proprietários e médicos veterinários devem estar empenhados no diagnóstico precoce dessa doença, que só é possível com a rotina de exames laboratoriais e de imagens, devendo ser realizados em todos os pacientes anualmente. Realizando o exame precocemente, é possível diagnosticar e tratar compli- cações e consequências dessa doença. Hiperparatireoidismo secundário, hipertensão, proteinúria, infecções, desequilíbrios eletrolíticos e perda de peso são alguns exemplos.

RPC – Quais doenças apresentam maior dificuldade no tratamento e no diagnóstico? Quais as mais comuns em cães e gatos?

Dra. Maria Cristina – Em relação ao trato urinário inferior (bexiga e uretra), as doenças mais comuns nos gatos são as urolitíases e as cistites idiopáticas. Já nos cães predominam as cistites bacterianas e as urolitíases.

Quanto ao trato urinário superior (rins e ureteres), a doença renal crônica é a mais comum em ambas as espécies. Como mencionado anteriormente, é uma doença progressiva e lenta. Se não houver exames de rotina para o diagnóstico precoce, muitas vezes o proprietário só leva o paciente já em estágio terminal.  A Lesão Renal Aguda (LRA) também é um desafio para o médico veterinário. Para o sucesso do tratamento, é preciso monitoramento intensivo e contínuo. Mesmo assim, a frequência de óbito nos pacientes que apresentam LRA é de prática- mente 50%.

RPC – Existe alguma pesquisa ou estudo em andamento que representa uma revolução em prevenção ou tratamento do trato urinário felino?

Dra. Maria Cristina – Várias pesquisas são publicadas em periódicos nacionais e internacionais. A Doença Renal Crônica é especialmente estudada, pois é uma das principais causas de óbito em gatos idosos. Por esse motivo, muitas pesquisas pretendem conseguir meios de diagnóstico mais precoce e medidas terapêuticas que minimizem a progressão da doença.

Em relação ao trato urinário inferior, a Cistite Idiopática continua a ser assunto de muitas publicações. Apesar da doença do trato urinário inferior ser mais comumente diagnosticada em gatos, ainda não há elucidação clara sobre a etiologia da doença e acredita-se, atualmente, que seja multifatorial.

RPC – A Sra. possui alguma pesquisa relacionada à área atualmente? Se sim, qual o tema de sua pesquisa?

Dra. Maria Cristina – Continuo a trabalhar com DRC em gatos e cães. A identificação precoce dessa doença é muito importante para o objetivo primordial, que é dar tempo e qualidade de vida para os pacientes. A identificação das complicações, como hipertensão e proteinúria, é essencial no estudo da doença.

RPC – Quais são os maiores desafios e necessidades desta especialidade no Brasil? Quais países são referência para a Nefro/Urologia?

Dra. Maria Cristina – A especialidade no Brasil está crescendo e várias clínicas do país já oferecem consultas especializadas. Aos poucos, as necessidades da Uronefrologia serão solucionadas com o empenho dos colegas que, em vários estados do Brasil, têm se dedicado às áreas mais complexas, como terapias dialíticas, cirurgias de rins e ureteres, exames de imagem mais detalhados, nutrição ideal, dentre outras. Quanto aos países mais de-senvolvidos na área, cito os EUA, Inglaterra e França.

RPC – Existe grande procura pela especialidade por estudantes? Por que motivo?

Dra. Maria Cristina – A procura por estágio ainda não é como esperamos, mas com o crescimento dessa especialidade, acreditamos que o interesse aumente. Já sabemos que a proporção de gatos como o “animal de estimação” da família tem aumentado. Com os avanços da medicina veterinária e da nutrição, os gatos viverão mais. Esses dois motivos são suficientes para esperar um aumento da necessidade de médicos veterinários que estejam atualizados em medicina de gatos e em Nefrologia e Urologia.

RPC – Na sua opinião, os proprietários de gatos estão mais exigentes quanto ao veterinário que atenderá o seu animalzinho? Acontece como nós, humanos, que procuramos primeiramente por um “clínico geral”?

Dra. Maria Cristina – A medicina de felinos cresceu muito nos últimos anos e, atualmente, existem clínicas especializadas no atendimento de gatos em quase todo Brasil. Esse fato não impede que haja excelentes e competentes médicos veterinários em outras clínicas que não sejam exclusivas para gatos. Mas ter uma entrada separada e uma sala de espera exclusiva melhora muito a qualidade doatendimento e a satisfação do proprietário. Dependendo do caso, é comum o próprio médico veterinário encaminhar um paciente para outro colega que se dedique exclusivamente à espécie felina.

RPC – O felino é o animal de estimação do futuro. Como os veterinários devem se preparar para esta demanda?
Dra. Maria Cristina – Os médicos veterinários já estão se preparando. Há clínicas que atendem somente gatos, outras se destinam a cães e gatos, mas com entradas separadas, salas de espera e consultórios exclusivos. Além disso, os profissionais têm procurado cursos de especialização, que ajudam a complementar e aprimorar a formação acadêmica recebida na graduação.

RPC – Na sua opinião, o que falta para o mercado de felinos se desenvolver ainda mais?
Dra. Maria Cristina

Estamos no caminho correto. O médico veterinário deve, acima de tudo, valorizar todos os anos de estudo, manter-se atualizado e oferecer ao proprietário o melhor da medicina veterinária. Um profissional sério e comprometido com a profissão e com o seu paciente consegue um bom lugar no mercado de trabalho. Concomitante- temente, as demais áreas correlatas, como a nutrição, indústrias farmacêuticas e laboratórios de apoio diagnóstico também estão crescendo. O benefício acontece para todos. O médico veterinário consegue exercer sua profissão de forma competente, o paciente será́ assistido com o que há de melhor e o proprietário ficará mais satisfeito.

RPC – Poderia dar um recado para os estudantes e jovens médicos veterinários que pretendem se especializar nesta área?

Dra. Maria Cristina – Se ainda não terminou a graduação, procure aproveitar ao máximo o que a universidade pode oferecer. Não estude “só́ para passar”. Leve a sério cada etapa de sua faculdade. Faça estágios nos horários vagos e participe de congressos e palestras. Não basta ter um diploma. Você̂ tem que fazer diferença

Professora Dra. Maria Cristina Nobre e Castro e MV Aline de Souza Mattos no Ambulatório de Felinos do HUVET-UFF, Niterói,RJ Foto: Arquivo pessoal